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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Meu Ideal Seria Escrever...

de Rubem Braga


Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Homem que é Homem

de Luís Fernando Veríssimo

Homem que é Homem não usa camiseta sem manga, a não ser para jogar basquete. Homem que é Homem não gosta de canapés, de cebolinhas em conserva ou de qualquer outra coisa que leve menos de 30 segundos para mastigar e engolir. Homem que é Homem não come suflê. Homem que é Homem — de agora em diante chamado HQEH — não deixa sua mulher mostrar a bunda para ninguém, nem em baile de carnaval. HQEH não mostra a sua bunda para ninguém. Só no vestiário, para outros homens, e assim mesmo, se olhar por mais de 30 segundos, dá briga.

HQEH só vai ao cinema ver filme do Franco Zeffirelli quando a mulher insiste muito, e passa todo o tempo tentando ver as horas no escuro. HQEH não gosta de musical, filme com a Jill Clayburgh ou do Ingmar Bergman. Prefere filmes com o Lee Marvin e Charles Bronson. Diz que ator mesmo era o Spencer Tracy, e que dos novos, tirando o Clint Eastwood, é tudo veado.

HQEH não vai mais a teatro porque também não gosta que mostrem a bunda à sua mulher. Se você quer um HQEH no momento mais baixo de sua vida, precisa vê-lo no balé. Na saída ele diz que até o porteiro é veado e que se enxergar mais alguém de malha justa, mata.

E o HQEH tem razão. Confesse, você está com ele. Você não quer que pensem que você é um primitivo, um retrógrado e um machista, mas lá no fundo você torce pelo HQEH. Claro, não concorda com tudo o que ele diz. Quando ele conta tudo o que vai fazer com a Feiticeira no dia em que a pegar, você sacode a cabeça e reflete sobre o componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino. Depois começa a pensar no que faria com a Feiticeira se a pegasse. Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Sim, de acomodação. Quantas vezes, atirado na frente de um aparelho de TV vendo a novela das 8 — uma história invariavelmente de humilhação, renúncia e superação femininas — você não se perguntou o que estava fazendo que não dava um salto, vencia a resistência da família a pontapés e procurava uma reprise do 
Manix em outro canal? HQEH só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinhas em conserva! HQEH arrota e não pede desculpas.
*
Se você não sabe se tem um HQEH dentro de você, faça este teste. Leia esta série de situações. Estude-as, pense, e depois decida como você reagiria em cada situação. A resposta dirá o seu coeficiente de HQEH. Se pensar muito, nem precisa responder: você não é HQEH. HQEH não pensa muito!

domingo, 31 de outubro de 2010

Os amantes

de Rubem Braga

Nos dois primeiros dias, sempre que o telefone tocava, um de nós esboçava um movimento, um gesto de quem vai atender. Mas o movimento era cortado no ar. Ficávamos imóveis, ouvindo a campainha bater, silenciar, bater outra vez. Havia um certo susto, como se aquele trinado repetido fosse uma acusação, um gesto agudo nos apontando. Era preciso que ficássemos imóveis, talvez respirando com mais cuidado, até que o aparelho silenciasse.

Então tínhamos um suspiro de alívio. Havíamos vencido mais uma vez os nossos inimigos. Nossos inimigos eram toda a população da cidade imensa, que transitava lá fora nos veículos dos quais nos chegava apenas um ruído distante de motores, a sinfonia abafada das buzinas, às vezes o ruído do elevador. Sabíamos quando alguém parava o elevador em nosso andar; tínhamos o ouvido apurado, pressentíamos os passos na escada antes que eles se aproximassem. A sala da frente estava sempre de luz apagada. Sentíamos, lá fora, o emissário do inimigo. Esperávamos quietos. Um segundo, dois – e a campainha da porta batia, alto, rascante. Ali, a dois metros, atrás da porta escura, estava respirando e esperando um inimigo. Se abríssemos, ele – fosse quem fosse – nos lançaria um olhar, diria alguma coisa – e então o nosso mundo seria invadido.

sábado, 30 de outubro de 2010

Um dia de merda




Autor desconhecido 
(Essa crônica é frequentemente divulgada como sendo de autoria de 
Luís Fernando Veríssimo, mas isso já foi desmentido pelo próprio)


Aeroporto Santos Dumont, 15:30. Senti um pequeno mal estar causado por uma cólica intestinal, mas nada que uma urinada ou uma barrigada não aliviasse. Mas, atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o Galeão, de onde partiria o vôo para Miami, resolvi segurar as pontas. Afinal de contas são só uns 15 minutos de busão. “Chegando lá, tenho tempo de sobra para dar aquela mijadinha esperta, tranqüilo”. O avião só sairia às 16:30.

Entrando no ônibus, sem sanitários, senti a primeira contração e tomei consciência de que minha gravidez fecal chegara ao nono mês e que faria um parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do aeroporto. Virei para o meu amigo que me acompanhava e, sutil, falei: “Cara, mal posso esperar para chegar na merda do aeroporto porque preciso largar um barro”. Nesse momento, senti um urubu beliscando minha cueca, mas botei a força de vontade para trabalhar e segurei a onda. O ônibus nem tinha começado a andar quando, para meu desespero, uma voz disse pelo alto falante: “Senhoras e senhores, nossa viagem entre os dois aeroportos levará em torno de 1 hora, devido às obras na pista”. Aí o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo. Fiz um esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava para chegar na estação ânus a qualquer momento. Suava em bicas.



quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Viúva Inconsolável

de Nelson Rodrigues

Ela fez questão que a missa de sétimo dia fosse a melhor possível. Andou perguntando:
- Pode ser dez coroinhas? Pode?
Disseram:
- Até mais!
E ela, no seu desvario de viúva:
-Até mais? - de mãos postas, balbuciou: - Então, quero mais. Mais de dez, ouviu, papai? Mais de dez!
O pai disse que sim, que estava bem. E vamos e venhamos: quem podia discutir, argumentar com uma mulher que acabava de perder seu marido? Nas costas da filha, porém, o velho conversou com os demais parentes. De lápis na mão, ia escrevendo: três padres, dez coroinhas, música, luminárias, etc., etc. Os outros faziam sinais de aprovação com a cabeça. Dr. Novais indaga:
- Basta, não basta?
Admitiram:
- Para que mais? Já é muito!
Na data marcada, houve a missa de sétimo dia, em intenção de Fernando Gomes Campelo, marido de Mora, filha do Dr. Novais. A própria Mora, por entre as lágrimas de viuvez, contou, um por um, os três padres, um por um, os dez coroinhas. Guardou, da cerimônia, uma lembrança de cantos, de círios e de anjos. E mais tarde, já de volta com o pai, este perguntou:
- Não foi um missão, minha filha? Uma big missa?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Nain

de Júnior Pires



          A porta é aberta bruscamente e a voz de Nain é escutada em toda a casa:
          - Pai! Os meridianos!
          Nain é um garoto de nove anos e facilmente impressionável. Acabara de ter uma aula de geografia e nela, descobriu a existência dos meridianos.
          - Calma filho, fale mais devagar. Que história é essa de meridianos?- falou Júlio, pai de Nain.
          - Pai, a professora disse que existem várias linhas imaginárias em volta da terra.          
          - Exatamente. Os meridianos, junto com os paralelos…
          - O quê?! Que história é essa de paralelos?! Ainda tem mais?!
          -  A professora não falou dos paralelos?
          - Não sei. Quando ela falou desses tais meridianos, saí da sala e vim direto para casa.
          - Mas filho…
          Nesse momento o garoto anda pela casa como que procurando algo. Percorre os olhos por todo o local, vasculhando cada canto.
          - O que foi Nain?
          - Será que uma dessas linhas passa por nossa casa? Pelo meu quarto?!
          - São apenas linhas imaginárias…
          - Não sei. Podem estar escondendo algo de mim… Por favor pai, pode dizer a verdade, eu aguento.





domingo, 1 de agosto de 2010

O objetivo

     Olá!
     Há tempos estava com vontade de fazer esse projeto, e enfim ele se concretizou em forma de blog.
     O objetivo é simples: Reunir boas crônicas, tanto de autores consagrados quanto de escritores ainda no anonimato.
     A ideia é criar uma página na qual qualquer pessoa que escreva, seja por prazer ou por vício, possa enviar sua crônica para compartilhar e divulgar suas criações com todos.
     Quem quiser participar pode mandar qualquer crônica para o e-mail centraldecronicas@hotmail.com
Todas as crônicas publicadas terão os créditos dados aos devidos autores. Para tal, basta que o escritor envie, junto ao texto, o nome ou apelido com que quer que seja chamado. O autor também pode enviar os endereços de quaisquer páginas pessoais que desejar (blogs, twitter, orkut, facebook, flogs, etc) que estas também serão divulgadas junto à crônica.
     Futuramente também pretendo contar com mais colaboradores para a seleção das crônicas.
     Pra terminar: O objetivo do blog é fazer uma grande reunião de trabalhos autorais, trocar ideias sobre os textos e compartilhar as crônicas com outros escritores.

Expresse-se também. 
:D